Subscrevo cada palavra, talvez exepção feita ao arroz de marisco, e ao sudoku. E ao café, que o teu é cheio e o meu é curto... :)
Aflige-me pensar que o tempo voa, não pelo medo de ficar velha e enrugada, mas porque sei que tu também o ficas. Uma ruga a cada dia. Um cabelo branco na tua e na minha cabeça. Eu tenho mais cabelo, disfarço melhor. E os meus são em menor número, separam-nos vinte anos a coleccioná-los. Aflige-me pensar que um dia não estarás aqui. Não me farás arroz de marisco só com camarão e carregado de coentros. Não me ligarás todos os dias a perguntar como estou e o que me dói hoje. É sempre às mães que nos queixamos. Aflige-me saber que um dia, inevitavelmente, terei que te perder. Podes ser eterna? Podes durar para sempre e ficar para sempre, como um bom filme ou um ainda melhor livro? Perpétua. Podes ficar guardada lá em casa até que eu própria seja mãe, depois avó e depois só um estorvo para os outros à minha volta e, ainda assim, continue a precisar de ti?
Aflige-me pensar que o tempo voa e que a infância onde me curavas as feridas, esfregavas os joelhos encardidos ou me abraçavas quando a pieira não me deixava respirar à noite, ficou tão lá atrás. Podemos voltar lá? As duas? Podemos roubar uma máquina do tempo qualquer ou inventá-la? Sermos eu e tu a caminho do infantário, galochas calçadas porque a chuva se tornava lama, eu a chorar porque não queria lanchar lá? Lembras-te que odiava pão com marmelada?
Podes ficar para sempre comigo, vivermos em par como tantos outros pares deste mundo que não se separam? Os de brincos. Os de meias. Os de sapatos. Não. Prefiro os de collants. Esses estão sempre presos pelo cós. Aflige-me que te sintas cansada, esgotada, triste. Aflige-me que não esteja sempre bom tempo dentro desse corpo e desse coração. Pudesse eu plantá-lo dentro de ti e viver lá. Vivermos as duas debaixo de sol. Todos os dias. As duas na praia. Tu sentada na areia a queixares-te porque a toalha se enrola e não tens posição. Eu a falar pelos cotovelos e a não deixar que te concentres no sudoku.
Podemos ser assim para sempre? Eternas uma para a outra? Cúmplices nas gargalhadas e nos queixumes. Nas idas ao café que eu teimo em beber cheio e tu curto. Juntas, fazemos uma chávena cheia. Inteira.
Eterna. Todas eternas. Que as mães deste mundo pudessem afagar-nos o cabelo para sempre. Dizer-nos, para sempre, qual o melhor xarope para a tosse ou a melhor camisola a escolher de manhã. Frio ou calor? É preciso um casaco? Que pudessem, para sempre e porque o sempre nunca é demasiado tempo, prender-nos o cabelo numa trança perfeita, preparar-nos um lanche como o de antigamente, onde o leite com chocolate ainda se podia beber porque não havia intolerâncias a coisa nenhuma. Que as mães, todas elas porque são nossas, pudessem, até à nossa velhice, aconchegar-nos a manta que teremos sobre as pernas no lar onde iremos viver os últimos dias. Quem é que me irá ouvir, aconselhar e proteger quanto eu estiver gasta e cansada, sentada num qualquer asilo a precisar de ti? A precisar de auxílio. Podes ser eterna? (...) Tu que plantas sementes no meu corpo e as transformas em memórias vivas, com direito a cheiro e vozes e música e birras e lágrimas, misturadas com sorrisos. Podes ser eterna? Podem? As mães que nos amparam, nos cuidam e nos unem.
Tu, mãe. Que vives em mim e até à eternidade viverás. Podes ser eterna?
Texto roubado daqui | Capazes